quarta-feira, 23 de julho de 2008

O Surrealismo antes do Surrealismo.

Antes de Breton apelidar, brincar, sonhar, poetizar, filosofar, surrealizar, haxixe usar entre outras coisas mais.



Um estudo começando com a visão de Walter Benjamin por João Paulo Mesquita Rolim. Terminando com Freud.


Antes mesmo de André Breton adotar a palavra Surrealismo para descrever a prática literária e artística que ele e seus amigos seguiam, não tenha passado de apenas uma quebra
do gelo tediante da Europa pós-guerra e uma tentativa de resgate da decadência francesa. Existem ainda hoje pseudo-sábios - conforme descreve Benjamin em sua obra “Der Surrealismus”, em Ueber Literatur, Frankfurt am Main, 1969, Suhrkamp Verlag.- que nada sabem expressar. O que nasceu no tocante de 1919 na França e faziam parte alguns literatos, tais como o próprio André Breton, Louis Aragon, Philippe Soupault, Robert Desnos, Paul Eluard, entre outros, o Surrealismo já era uma forma expressiva de arte como poesia, pintura, prosa, escultura, fotografia, cinema, e outro etc e tal, Breton e seus colegas afirmam que Jean-Nicolas Arthur
Rimbaud sendo lícito acreditar em suas palavras, quando afirmam que Saison em Enfer já não lhes apresentava qualquer mistério quanto ao movimento surrealista. Rimbaud anotou na margem de seu livro: “na seda dos mares e das flores árticas” – “Não existem” (“Elles n’existent pas”).

Em 1924 ainda não era previsível o desenvolvimento do movimento surrealista, onde Aragon demonstrou em Vague de Rêves em que substância descorada e díspar repousava o cerne dialético, mais tarde desdobrando no surrealismo, conforme descreve Benjamin.

Tratamos aqui da rebelião apaixonada e amargurada contra o catolicismo, no curso da qual o surrealismo foi criado por Rimbaud, Lautréamont, Paul Verlaine e Apollinaire. Podemos ver uma forte evidencia e não podemos comparar, mais é bem evidente o surrealismo nos escritos de Aragon Paysan de Paris com Nadja de Breton, ambos revelam uma deficiência no próprio movimento surrealista, na inspiração profana, afastando-se daquilo que era para ser. As experiências aqui apresentadas não se restringem de forma alguma a sonhos, a horas de haxixe ou de fumo opiático - Benjamin - Pois engano corrente e enorme é supor que das “experiências surrealistas” apenas conhecemos os êxtases de religião ou de drogas. Ópio para o povo, foi assim que Lenine denominou a religião. Reside aqui neste texto uma revelação profana, numa inspiração materialista, antropológica, para a qual o haxixer, o ópio e outras coisas mais podem constituir o estágio preparatório. Esta inspiração nem sempre se deparou com o surrealismo.



Um caso típico é o livro escrito por Rimbaud Iluminações Uma Cerveja no Inferno (tradução de Mário Cesariny de Vasconcelos nascido em Lisboa no dia 9 de agosto de 1923 e falecido no dia 26 de novembro de 2006 em Lisboa. Pintor e poeta, considerado o principal representante do surrealismo lusitano) é um dos casos especiais em que à poesia caminha por muitos lugares de alto grau da escrita. “A voz já se ouve atravessando o deserto e a floresta para além da Abissínia”. Na Primavera e Verão de 1871 Rimbaud atravessa um período de desilusão com a vida e de revolta contra a religião, a moral e a disciplina, o que refletiu muito na sua poesia. Depois de ter enviado a seu grande amigo Paul Marie Verlaine alguns poemas, Rimbaud parte para Paris e passa três meses na casa do casal Verlaine. Os dois poetas envolvem-se numa relação homossexual que escandalizou a sociedade e determinou o fim do casamento de Verlaine. No período entre 1876 e 1879 Rimbaud viajou pela Europa e Norte da África, acabando por se instalar na Abissínia, onde se torna amigo do governador de Harar. Durante a sua ausência, o poeta se tornou famoso na França, graças à publicação dos seus poemas em prosa por Verlaine, que também escreveu sobre Rimbaud em Les Poètes Maudits de 1884.



Rimbaud costumava falar e certo dia escreveu: "Eu amava as pinturas idiotas em cima das portas, cenários, lonas de saltimbancos, insígnias, iluminuras populares, literatura fora de moda, latim de igreja, livros eróticos com ortografia errada, romances de nossas avós, contos de fadas, livrinhos infantis, óperas velhas, refrões imbecis, ritmos ingênuos" Isso é puro aforismo ao que Breton virá a chamar de Surrealismo.




Após todo entendimento do surrealismo e de Rimbaud, passamos para o entendimento das suas origens que devem ser buscadas no dadaísmo e na pintura metafísica de Giorgio De Chirico ou Népo como o chamavam. De Chirico nasceu na Grécia, cidade de Vólos no ano de 1888 e morreu em Roma, Itália em 1978. Fez parte do chamado movimento metafísico da arte dando origem ao surrealismo. Participou da primeira exposição surrealista organizada por André Breton em Paris no ano de 1925. A pintura metafísica de De Chirico antecipa elementos que depois aparecem na pintura surrealista: padrões arquitetónicos, grandes espaços nus, manequins anónimos e ambientes oníricos. Os surrealistas herdam diretamente atitudes destrutivas e niilistas. O que o próprio De Chirico qualifica de “pintura metafísica” corresponde à necessidade de sonho, de mistério e de erotismo próprias do que subtrai a arte surrealista. No Brasil temos Pilade Francesco Hugo Adami – Hugo Adami 1899 -1999 – que foi amigo de De Chirico e influenciou muitos artistas brasileiros com a arte metafisica, incluindo Tarsila do Amaral (1886-1973), Di Cavalcanti (1897-1976), Candido Portinari (1903-1962) e Milton Dacosta (1915-1988). Posteriormente na fase metafísica Iberê Camargo (1914-1994) que foi aluno do próprio De Chirico.


Teoricamente o surrealismo teve mesmo a influencia psicanalistica de Sigmund Freud em seus estudos. De acordo com Freud, “O homem deve libertar sua mente da lógica imposta pelos padrões comportamentais e morais estabelecidos pela sociedade e dar vazão aos sonhos e as informações do inconsciente”. O pai da psicanálise, não segue os valores sociais da burguesia como o status, a família e a pátria.

Tendo isso como base, André Breton iniciou o seu Manifesto do Surrealimo. Breton como muitos sabem era poeta, escritor, crítico e psiquiatra francês.Eu ia terminar com o Manifesto do Surrealimo do Breton, mais achei que estava ficando muito longo esse texto, sendo assim, o que podemos dizer: O Surrealismo nasceu de várias vertentes da arte vanguardista de outrora, da psicanálise, da metafísica, do romantismo e etc.



Trecho do “Manifesto do Surrealismo” (André Breton - 1924).


Tamanha é a crença na vida, no que a vida tem de mais precário, bem entendido, a vida real, que afinal esta crença se perde. O homem, esse sonhador definitivo, cada dia mais desgostoso com seu destino, a custo repara nos objetos de seu uso habitual, e que lhe vieram por sua displicência, ou quase sempre por seu esforço, pois ele aceitou trabalhar, ou pelo menos, não lhe repugnou tomar sua decisão ( o que ele chama decisão! ) . Bem modesto é agora o seu quinhão: sabe as mulheres que possuiu, as ridículas aventuras em que se meteu; sua riqueza ou sua pobreza para ele não valem nada, quanto a isso, continua recém-nascido, e quanto à aprovação de sua consciência moral, admito que lhe é indiferente. SE conservar alguma lucidez, não poderá senão recordar-se de sua infância, que lhe parecerá repleta de encantos, por mais massacrada que tenha sido com o desvelo dos ensinantes. Aí, a ausência de qualquer rigorismo conhecido lhe dá a perspectiva de levar diversas vidas ao mesmo tempo; ele se agarra a essa ilusão; só quer conhecer a facilidade momentânea, extrema, de todas as coisas. Todas as manhãs, crianças saem de casa sem inquietação. Está tudo perto, as piores condições materiais são excelentes. Os bosques são claros ou escuros, nunca se vai dormir.Mas é verdade que não se pode ir tão longe, não é uma questão de distância apenas. Acumulam-se as ameaças, desiste-se, abandona-se uma parte da posição a conquistar. Esta imaginação que não admitia limites, agora só se lhe permite atuar segundo as leis de uma utilidade arbitrária; ela é incapaz de assumir por muito tempo esse papel inferior, e quando chega ao vigésimo ano prefere, em geral, abandonar o homem ao seu destino sem luz.

Procure ele mais tarde, daqui e dali, refazer-se por sentir que pouco a pouco lhe faltam razões para viver, incapaz como ficou de enfrentar uma situação excepcional, como seja o amor, ele muito dificilmente o conseguirá. É que ele doravante pertence, de corpo e alma, a uma necessidade prática imperativa, que não permite ser desconsiderada. Faltará amplidão a seus gostos, envergadura a suas idéias. De tudo que lhe acontece e pode lhe acontecer, ele só vai reter o que for ligação deste evento com uma porção de eventos parecidos, nos quais não toma parte, eventos perdidos. Que digo, ele fará sua avaliação em relação a um desses acontecimentos, menos aflitivo que os outros, em suas conseqüências. Ele não descobrirá aí, sob pretexto algum, sua salvação.

Imaginação querida, o que sobretudo amo em ti é não perdoares.Só o que me exalta ainda é a única palavra, liberdade. Eu a considero apropriada para manter, indefinidamente, o velho fanatismo humano. Atende, sem dúvida, à minha única aspiração legítima. Entre tantos infortúnios por nós herdados, deve-se admitir que a maior liberdade de espírito nos foi concedida. Devemos cuidar de não fazer mau uso dela. Reduzir a imaginação à servidão, fosse mesmo o caso de ganhar o que vulgarmente se chama a felicidade, é rejeitar o que haja, no fundo de si, de suprema justiça. Só a imaginação me dá contas do que pode ser, e é bastante para suspender por um instante a interdição terrível; é bastante também para que eu me entregue a ela, sem receio de me enganar ( como se fosse possível enganar-se mais ainda ). Onde começa ela a ficar nociva, e onde se detém a confiança do espírito? Para o espírito, a possibilidade de errar não é, antes, a contingência do bem?

Fica a loucura. “a loucura que é encarcerada”, como já se disse bem. Essa ou a outra.. Todos sabem, com efeito, que os loucos não devem sua internação senão a um reduzido número de atos legalmente repreensíveis, e que, não houvesse estes atos, sua liberdade ( o que se vê de sua liberdade ) não poderia ser ameaçada. Que eles sejam, numa certa medida, vítimas de sua imaginação, concordo com isso, no sentido de que ela os impele à inobservância de certas regras, fora das quais o gênero se sente visado, o que cada um é pago para saber. Mas a profunda indiferença de que dão provas em relação às críticas que lhe fazemos, até mesmo quanto aos castigos que lhes são impostos, permite supor que eles colhem grande reconforto em sua imaginação e apreciam seu delírio o bastante para suportar que só para eles seja válido. E, de fato, alucinações, ilusões, etc. são fonte de gozo nada desprezível. A mais bem ordenada sensualidade encontra aí sua parte, e eu sei que passaria muitas noites a amansar essa mão bonita nas últimas páginas do livro. A Inteligência de Taine, se dedica a singulares malefícios. As confidências dos loucos, passaria minha vida a provoca-las. São pessoas de escrupulosa honestidade, cuja inocência só tem a minha como igual. Foi preciso Colombo partir com loucos para descobrir a América. E vejam como essa loucura cresceu, e durou.

Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação.O processo da atitude realista deve ser instruído, após o processo da atitude materialista. Esta, aliás, mais poética que a precedente, implica da parte do homem um orgulho sem dúvida monstruoso, mas não uma nova e mais completa deposição. Convém nela ver, antes de tudo, uma feliz reação contra algumas tendências derrisórias do espiritualismo. Enfim, ela não é incompatível com uma certa elevação de pensamento.

Ao contrário, a atitude realista, inspirada no positivismo, de São Tomás a Anatole France, parece-me hostil a todo impulso de liberação intelectual e moral. Tenho-lhe horror, por ser feita de mediocridade, ódio e insípida presunção. É ela a geradora hoje em dia desses livros ridículos, dessas peças insultuosas. Fortifica-se incessantemente nos jornais , e põe em xeque a ciência, a arte, ao aplicar-se em bajular a opinião nos seus critérios mais baixos; a clareza vizinha da tolice, a vida dos cães. Ressente-se com isso a atividade dos melhores espíritos; a lei do menor esforço afinal se impõe a eles como aos outros. Conseqüência divertida deste estado de coisas, em literatura, é a abundância dos romances. Cada um contribui com sua pequena “observação”. Por necessidade de depuração o sr. Paul Valéry propunha recentemente fazer antologia do maior número possível de começos de romances cuja insensatez ele muito esperava. Os mais famosos autores seriam chamados a participar. Tal idéia dignificava também Paul Valéry, que, não há muito, a propósito dos romances, me garantia que, ele, sempre se recusaria a escrever: “A marquesa saiu às cinco horas.” Mas cumpriu ele a sua palavra?
Se o escrito de informação pura e simples de que a frase precipitada é exemplo, tem emprego corrente nos romances certamente é por não ir longe a ambição dos autores. O caráter circunstancial, inutilmente particular, de cada notação sua, me faz pensar que estão se divertindo, eles, à minha custa. Não me poupam nenhuma hesitação do personagem: será louro, como se chama, vamos sair juntos no verão? Outras tantas perguntas resolvidas decisivamente, ao acaso; só me restou o poder discricionário de fechar o livro, o que não deixo de fazer, ainda perto da primeira página. E as descrições! Nada se compara ao seu vazio; são superposições de imagens de catálogo, o autor as toma cada vez mais sem cerimônia, aproveita para me empurrar seus cartões postais, procura fazer-me concordar com os lugares-comuns:
A salinha onde foi introduzido o moço era forrada de papel amarelo: havia gerânios e cortinas de musselina nas janelas; o sol poente jogava sobre tudo isso uma luz clara... O quarto não continha nada de particular. Os móveis, de madeira amarela, eram todos velhos. Um sofá com grande encosto inclinado, uma mesa oval diante do sofá, um toucador, com espelho, entre as janelas, cadeiras encostadas às paredes, duas ou três gravuras sem valor, representando moças alemãs com pássaros nas mãos – eis a que se reduzia a mobília. ( Dostoievski, Crime e Castigo ).

Que o espírito se proponha, mesmo por pouco tempo, tais motivos, não tenho disposição para admiti-lo. Podem sustentar que este desenho clássico está no lugar certo e que neste passo do livro o autor tem seus motivos para me esmagar. Perde seu tempo, pois não entro no seu quarto. A preguiça, a fadiga dos outros não me prendem. Tenho da continuidade da vida uma noção instável demais para igualar aos melhores os meus momentos de depressão, de fraqueza. Quero que se calem, quando param de ressentir. E entendam bem que não incrimino a falta de originalidade pela falta de originalidade. Digo apenas que não faço caso dos momentos nulos de minha vida, que da parte de qualquer homem pode ser indigno de cristalizar aqueles que lhe parecem tais. Esta descrição de quarto, e muitas outras, permitam-me, digo: passo.
Ora, cheguei à psicologia, e com este assunto nem penso em brincar...

Fim... Não... Nunca será o fim... O Fim será dado pelas mãos dos homens... Pelas mãos destruidoras... Pelas serras elétricas nas florestas... Pelo aquecimento Global... O fim não será dado pela poesia... Será registrado!
João Paulo Mesquita Rolim